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segunda-feira, 13 de junho de 2011

A PROVA NO DIREITO DE FAMÍLIA.

    
                    José Carlos Teixeira Giorgis

                    Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do RS,
Professor da Escola Superior da Magistratura, Rs

(escrito em agosto.2003) 





Sumário: 1. Introdução. 2.Natureza jurídica das normas sobre a prova 3. Intervenção do Juiz de Família. 4. Provas em espécie no Direito de Família
4.1.Prova testemunhal: 4.1.1. Testemunho de parentes. 4.1.2.Testemunho dos filhos. 4.1.3.Testemunho dos empregados. 4.2. Depoimento pessoal. 4.3.Confissão. 4.4.Sentença criminal. 4.5.Prova documental. 4.6. Prova emprestada. 4.7. Prova pericial. 4.8.Provas ilícitas. 5.Referências bibliográficas.



1. INTRODUÇÃO.

O processo busca representar o fato que se deseja provar, para se obter um bem da vida, demonstrando-se nele as afirmações que interessem para ilustrar o acontecimento, seguindo a parêmia romana do da mihi factum, dabo tibo jus.
Na prova se verificam tais afirmações sobre o fato e, excepcionalmente, as normas jurídicas. Os fatos existem, debruçando-se a prova sobre versões deles.
As afirmações, utilizando determinadas fontes, chegam ao juiz através de meios admitidos, dentro de um sistema de garantias .

2. A NATUREZA JURIDICA DAS NORMAS SOBRE A PROVA.

Como diz Sérgio Gilberto Porto, a discussão dos assuntos pertinentes à prova continuam abertos, e uma das questões instigantes debruça-se sobre a natureza jurídica das normas sobre prova: tem cunho material ou processual.
Embora pareça insignificante, a indagação tem conseqüências no direito transitório, sobre a aplicação das normas no tempo.
Repita-se o exemplo trazido por Hermenegildo de Souza Rego, que tratou originalmente do tema em debate: o artigo 141 do CPC , que admitia prova exclusivamente testemunhal em contratos cujo valor não ultrapassassem CR$ 10.000,00 (dez mil cruzeiros), vigente desde 1952, acabou substituída pelo artigo 401 do CPC, que permite dita prova nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados.
Se a norma tiver cunho processual, um contrato feito antes do CPC, cujo valor fosse superior ao limite estabelecido, mas inferior ao décuplo, poderia, hoje, ser provado só por testemunhos, embora tal prova não fosse aceita quando da celebração do pacto. E vice-versa, um contrato combinado agora, no valor de dez salários mínimos, não pode ser comprovado só por testemunhas, no caso de sobrevir uma lei que reduza o limite para cinco salários mínimos.
Mas se a norma tiver natureza material, na primeira hipótese o contratante desfrutaria de um direito adquirido à inadmissibilidade da prova somente testemunhal, e na segunda um direito adquirido à admissibilidade.


2.1. NATUREZA MATERIAL DAS NORMAS SOBRE PROVA.

Os seguidores da corrente que consideram as normas sobre prova como materiais, e que tem entre alguns seguidores, Satta, Carnelluti, Amaral dos Santos e Pontes de Miranda, usam os seguintes argumentos:


1.A indissociabilidade entre o direito e a prova.

Ter direito e não possuir a possibilidade de provar é como considerar a inexistência de um direito, pois a prova é o grau de evidência dos fatos jurídicos necessários para que sr produzam os efeitos jurídicos. Um fenômeno de produção de efeitos do direito material não pode ser questão de processo, sendo a prova um elemento da pretensão das partes.
Assim, se um direito está protegido pelo testemunho de alguém com 16 anos e uma nova lei processual, agora, proíbe o depoimento de quem tenha menos de dezoito anos, o direito subjetivo material fica afetado, comprovando a vinculação entre a prova e o direito. Replica Chiovenda, todavia, tal dependência é apenas uma questão de fato e dela não nasce, necessariamente, nenhuma relação de direito, ou seja, não há um direito adquirido à prova.

1.O respeito devido à vontade das partes.

Ao contratar as partes ficam ao império de certas leis, prevenindo futura influência da aplicação delas nas vicissitudes a que está sujeita a execução do acerto, nele ingressando as normas probatórias. Assim, se outras vigissem, sua forma seria diversa e suas cláusulas outras. Desta forma, as obrigações contratuais são inseparáveis das normas de prova vigorantes no local e tempo da celebração, pois a submissão a elas faz parte do acordo das partes.
O respeito á vontade das partes é imperativo da segurança jurídica, pois a parte deve ter noção, no futuro, como poderá provar a existência ou as cláusulas da avença.

1.A possibilidade que alguma prova, e retroativa, extinga, na prática, o direito material que só pode ser demonstrado pelo meio que restou inadmissível.

Assim, se uma lei excluir algum tipo de prova, acabe por ferir o direito material nela apoiado. Para Chiovenda, se assim ocorrer, é conseqüência do tempo, que faz mudar as condições da vida social, tal como morrem as testemunhas e se perdem os documentos.

1.B prova não condiciona o processo ou o procedimento, mas a decisão acerca do direito material.

Ora, se o direito material disciplina uma situação de fato, em abstrato, para exigir a tutela estatal é necessária a ocorrência em concreto da situação disciplinada, portanto duas ordens distintas, sendo a segunda orientada pelas regras sobre prova, e as primeiras pela sede material.

2.2. NATUREZA PROCESSUAL DAS NORMAS SOBRE PROVA.

A corrente majoritária reúne juristas como Gabba, Lassale, Unger, Bonnier, Scialoja, Schonke, Betti, Rocco, Liebmann, Couture, Michelli, Frederico Marques, Vicente Rao, Arruda Alvim, Dinamarco,Barbosa Moreira, entre outros, e que alinham os seguintes argumentos:

1.A disciplina das provas é ligada à formação da convicção do juiz e não ao interesse das partes.

A prova tem o juiz como destinatário, e não busca atender interesses privados, procurando-se, isso sim, a melhor forma de realização da justiça, a melhor forma de chegar á verdade. Quando o legislador altera as regras sobre prova, faz porque encontrou algo melhor do que vinha sendo utilizado, para atingir tais objetivos.
O aperfeiçoamento do sistema de pesquisa da verdade é algo que se insere no âmbito do direito processual, nada tendo com os direitos subjetivos que as partes tentam valer através do processo.



2.Não há direito adquirido ao erro ou ignorância dos fatos pelo julgador.

É certo que alguma dúvida pode pairar quando a lei nova restrinja algum direito, mas se ela é mais liberal não se pode dizer que prejudicou a quem contratou ou se vinculou à lei revogada, a menos que se reconhecesse ao contratante um direito adquirido ao erro ou ignorância dos fatos por parte do julgador, o que se afigura absurdo.

2.3.A NATUREZA MISTA DAS NORMAS SOBRE A PROVA.

Há doutrinadores, contudo, que estabelecem distinção entre as normas sobre o objeto, a admissibilidade e o valor das provas, como Chiovenda, Sentis Melendo, Guasp, Allorio, Lessona, Denti, etc.
Chiovenda refere haver dois tipos de normas probatórias.
As normas probatórias gerais são as que o legislador edita em vista de relações jurídicas em geral ou grandes grupos de relações jurídicas, como os contratos, para a rapidez do procedimento, ou atendimento intrínseco das decisões, e que têm natureza processual.
As normas probatórias particulares são as que o legislador edita em vista de determinada relação ou estado jurídico, como compra e venda, estado de filho, de modo que a regra se incorpora à disciplina desta relação jurídica e não disciplina do processo, que têm natureza substancial.
Nas normas gerais, o legislador tem por fim imediato a melhor formação do convencimento do juiz e sua atividade intelectiva, no interesse da função jurisdicional; já nas normas particulares tem-se em vista a relação singular, sua proteção e tutela, pondo-se limites à prova e ao convencimento do juiz, para que não erre em desfavor da parte.
Sentis de Melendo se utiliza a distinção entre fonte e meio de prova, feita por Carnelutti, para estatuir que há provas pré-constituídas e outras, simples, que se constituem ou integram no processo. Assim, as provas são pré-constituidas como fontes (ou seja, o fato de que se deduz a verdade) e se integram no processo como meios, ou seja, a atividade judicial quando busca a verdade do fato a provar.
Para Melendo uma prova terá natureza substanciam ou processual conforme se refira à fonte ou ao meio de prova. O testemunho, que é a tomada de conhecimento de alguém sobre o fato que se quer provar, constitui uma fonte de prova, regrada pelo Direito Material, e a tomada do depoimento da testemunha, é um meio de prova pertencente ao Direito Processual. Em outras palavras, as normas que se refiram às provas consideradas fora do processo têm natureza material, e as que digam com as provas dentro do processo têm conteúdo instrumental.

2.4.OUTRAS TEORIAS SOBRE A NATUREZA DAS NORMAS  PROBATÓRIAS.

Já Goldschmidt cria um Direito Judiciário Material, onde estariam embutidas as normas de Direito penal e Processual Penal, além dos preceitos de Direito Privado consideradas do ponto de vista do juiz, não como fontes de direitos e obrigações dos cidadãos, mas como ordens ao juiz com vista á sentença que deverá pronunciar quando os conflitos lhe forem submetidos os conflitos disciplinados por tais regras.
Para Giovanni Conso, embora mais atento ao processo penal, as normas probatórias são normas de garantia, verdadeiros instrumentos de defesa.
Denti entende como relativos todos os critérios e a inutilidade de uma qualificação abstrata, pois as normas probatórias integram ora o direito material ora o processual, cuidando-se não de estabelecer quando uma norma é substancial ou instrumental, mas sim se afirmar que há normas que se revestem simultaneamente das duas naturezas. Além de que qualquer classificação sistemática, se revela opinativa e obriga à criação de categorias subsidiárias contraditórias e inaceitáveis, E que a análise da jurisprudência convence que, por trás de critérios sistemáticos, se encontram razões de política judiciária, que sempre explica a qualificação adotada.
De tudo, para correto proceder-se como Sérgio Gilberto Porto, em seu pioneiro artigo sobre a prova no direito de família, inclinar-se para a linha que admite, até mesmo por razões ideológicas, a natureza processual das normas probatórias, pois como diz na concepção de prova judicial não se pode abstrair seu caráter objetivo que representa exatamente o meio (processo) pelo qual ela logra penetrar no espírito de que julga.
Ora, se a prova está subordinada e vinculada ao processo (critério objetivo), tem ela natureza processual e não material (A prova: generalidades da teoria e particularmente do direito de família, Ajuris, 39/116).

3. A INTERVENÇÃO DO JUIZ DE FAMILIA.

Em geral, provar é investigar como ocorrem determinados fatos, confirmando sua exatidão; entretanto, no processo civil, há uma mitigação desta atividade, por que o juiz não devassa, mas   verifica os elementos trazidos  pelos litigantes , embora  orientação recente aconselhe  maior intervenção, principalmente quando  se cuide  de direitos indisponíveis, como no direito de família.
Os poderes do juiz se ampliam, ou seja, de simples diretor ou condutor do processo (sistema dispositivo), assume índole investigatória, partindo para uma atuação mais firme e direta no esclarecimento da verdade dos fatos controvertidos.
O juiz moderno não pode ser um expectador inerte, um convidado de pedra, atento somente à elucidação do acontecimento.
A imediação permite ao juiz uma melhor apreciação da prova, especialmente quanto às testemunhas, inspeções judiciais, indícios, depoimentos das partes ou dos peritos, mas também o princípio significa que o juiz não deve permanecer apático, nem fazer o papel de um simples órgão receptor, mas sim que deve estar munido de faculdades para intervir ativamente e para ordenar outras, de ofício, pois somente assim se poderá dizer-se que o juiz é o diretor do debate probatório  .
A transição do liberalismo individualista para o Estado Social de Direito, assinala-se por substancial incremento da participação dos órgãos públicos na vida da sociedade.
Projetado no plano processual, o fenômeno se traduz pela intensificação da atividade do juiz, cuja imagem já não se pode conter no arquétipo do observador distante e impassível das partes, simples fiscal incumbido de vigiar seus comportamentos, para a garantir a observância das regras do jogo e, no fim, proclamar o vencedor.
Ao juiz continua vedado, como tradição, dar partida na máquina judiciária sem provocação; no entanto, instaurada a demanda, desenvolve-se o feito por impulso oficial (CPC, artigo 125).
Entretanto, o mais valioso instrumento corretivo, para o juiz, consiste na possibilidade de adotar, de ofício, iniciativas relacionadas com a instrução do feito.
Os poderes instrutórios, a bem dizer, devem reputar-se inerentes à função do órgão judicial, que, ao exercê-los, não se substitui às partes, como leva a supor uma visão distorcida do fenômeno.
Mas é inquestionável que o uso hábil e diligente desses poderes, na medida em que logre iluminar aspectos da situação fática, até então deixados na sombra por deficiência da atuação deste ou daquele litigante, contribui, do ponto de vista prático, para suprir inferioridades ligadas à carência de recursos e de informações, ou à dificuldade de obter o patrocínio de advogados mais capazes e experientes  .
A permissão, no caso, encontra apoio na bíblia instrumental (CPC, artigo 130), mas o juiz, no exercício de sua função jurisdicional, não deve concorrer para a intangibilidade das relações jurídicas entre as partes  .
Em processos dominados pela oficiosidade, desde logo é certo que neles o juiz dispõe de amplos poderes para formar seu convencimento, e, por conseguinte, tocará, eventualmente, ordenar de ofício diligências instrutórias, em medida mais espaçosa, mas se não atingir, por tal via, um grau de persuasão suficiente para sentenciar, virá a lei em seu auxílio, adotando um critério de decisão , eventualmente diferente em cada processo legal, importando sublinhar que o juiz deverá julgar sempre, mesmo que seja por ex informatta conscientia e não apenas segundo os allegata et probata partium  .
Recorde-se, todavia, que se cuida, segundo uma determinada corrente, de poder excepcional, revestindo-se a atividade de complementaridade em relação às partes, a quem incumbe o encargo de produzir as provas; verificando o juiz que as provas oferecidas pelas partes mostram-se insuficientes para sua convicção, formação esta necessária para o ato de decidir, pode suplementá-las, ordenando de ofício outras necessárias, sem substituir os litigantes no campo de demonstração.
Daí se segue, para alguns, que não pode ele, no âmbito probatório, entregar-se totalmente à pesquisa da verdade dos fatos alegados, como se fosse parte suplicante ou suplicada, mas manterá sua imparcialidade, que constitui a essência do ato de julgar, pois se tentasse substituir as partes na pesquisa e na demonstração da verdade, correria o risco de proferir decisões parciais e apaixonadas  .
Ou seja, quando a prova gerasse perplexidade ou dúvida no espírito do julgador, tocaria a ele determinar providências para sua complementação.
Mas, depois, em vista da crescente publicização do processo, da defesa da instrumentalidade e efetividade, verificou-se forte reação contra tais teorias tradicionais, no que resultou movimento de fortalecimento dos poderes do juiz.
Daí Cappelletti defender o que chama de direção material do processo, em substituição à simples direção formal, posição que se sintetiza nas seguintes afirmações: a) o princípio dispositivo em sua moderna configuração significa apenas que a iniciativa das alegações e dos pedidos incumbe às partes e não ao juiz; b)a iniciativa das provas não é privativa das partes, podendo o juiz determinar diligências necessárias à integral apuração dos fatos; c)o juiz, além de diretor formal do processo, exerce o poder de intervenção, de solicitação e de estímulo no sentido de permitir que as partes esclareçam suas alegações e petições, a fim de assegurar uma igualdade substancial entre elas.
A tônica da nova ciência processual centra-se na idéia do acesso à justiça, e o direito de ação passou a ser vislumbrado não mais como direito ao processo, mas como garantia cívica da justiça, assumindo a missão de buscar resultados práticos e efetivos que não apenas realizassem a vontade da lei, mas que a ela dessem o máximo de aspiração de justiça.
O processo assume o compromisso de ultrapassar a noção de devido processo legal para atingir a meta do processo justo, aliado aos desígnios sociais e políticos, e que não aceita um juiz neutro, inteiramente entregue às partes, mas atento ao resultado da demanda.
O processo moderno busca conciliar o princípio dispositivo e inquisitivo, mantendo a postura inerte do Judiciário à abertura do pleito e limitando a jurisdição ao pedido, mas reforçando os poderes na condução da causa em provimento da apuração da verdade.
Assim, o acesso à justiça transmuda-se no acesso á ordem jurídica justa .
O fenômeno da constitucionalização do processo civil, que aconselha a releitura de institutos fundamentais à luz da Carta Federal, veio a contribuir para o fortalecimento dos poderes do juiz na direção e instrução do processo, pois, para se lograr a efetividade, é de rigor que tais atribuições sejam endereçadas.
Com efeito, a postura burocrática e protocolar do juiz, que tecnicamente não se assemelha a qualquer outro funcionário ou servidor público, pois detém parcela do poder do Estado e o representa perante a sociedade, entra em conflito aberto com as tendências atuais do processo civil, devendo ser afastada, já que não se concebe que a parte seja prejudicada pelo apego ao fetichismo das formas e à dogmática tradicional  .
Neste sentido, proclamou o Superior Tribunal de Justiça que na fase atual da evolução do Direito de Família, é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimo interesse do menor, tendo o julgador iniciativa probatória, quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando esteja diante de  causa que tenha por objetivo direito indisponível(ações de estado), ou quando o julgador, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sócio-cultural entre as partes  .
A atividade probatória do juiz é plena em ação que versa sobre direitos indisponíveis, podendo determinar a realização de provas ex officio, independentemente de requerimento da parte ou interessado e até mesmo contra a vontade daquela .
Todavia, embora aceite o fortalecimento dos poderes do juiz, João Batista Lopes lembra que isso deve limitar-se aos fatos controvertidos, não lhe sendo lícito alterar a causa de pedir, introduzindo fatos ou fundamentos novos, não se devendo superestimar o comando do artigo 130 apara converter o julgador em investigador ou juiz de instrução, substituindo as partes na tarefa que lhes é atribuída, premiando sua omissão e descaso; mas também não se deve subestimar a força do preceito, que se insere nas modernas tendências do processo civil, presentes a função social dele e os ideais da justiça .
Enfim, diante do cada vez maior sentido publicista que se tem atribuído ao processo contemporâneo, o juiz deixou de ser mero expectador inerte da batalha judicial, passando a assumir posição ativa, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça com imparcialidade e resguardo do princípio do contraditório .

4. PROVAS EM ESPÉCIE NO DIREITO DE FAMÍLIA.

A prova no Direito de Família, como implícito, observa tratamento especial, em vista da peculiaridade do bem da vida que se encontra em litígio.
Examinem-se algumas delas e sua consideração pelos tribunais.

4.1. PROVA TESTEMUNHAL.

4.1.1. TESTEMUNHO DE PARENTES.-

Embora o estatuto canônico proclame que podem depor como testemunhas todas as pessoas (CPC, artigo 405), trata de excepcionar com o impedimento do cônjuge, ascendente e descendente em qualquer grau, ou colateral até o terceiro grau, de alguma das partes por consangüinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito (par. 2º).
Disto dessume que, em princípio, tais sujeitos não podem ser ouvidos, mas logo após, vem a exceção, ordenando que, se necessário, o juiz poderá ouvir as testemunhas impedidas ou suspeitas (par.4º), sendo seus depoimentos tomados sem compromisso(CPC, artigo 415), o que não inibe o magistrado de lhes atribuir o valor que possuam.
Adverte Daniel Ustárroz que não é plausível que pessoas que tenham amplo conhecimento da matéria controvertida, por suas posições, restem impedidas de depor em juízo, como se as mesmas sempre tivessem interesse no desenlace do litígio, a ponto de abusar da figura penal do falso testemunho. No que toca ao direito de família e sua relação com a prova testemunhal, a influência perniciosa do princípio da prova legal é manifesta e não se coaduna com o espírito do Direito moderno e com o interesse público subjacente, daí a conveniência de realizar seriamente o princípio constitucional do devido processo legal, o que, no caso em tela, impõe permitir a oitiva de todas as pessoas que tenham conhecimento dos fatos discutidos, facultando ao juiz deles extrair a verossimilhança possível .
O impedimento falece se a pessoa é parente, em grau proibido, de ambas as partes, como ocorre quando a testemunha é irmã dos litigantes, pois se a lei fala em parentesco com uma das partes, não há de falar-se em impedimento em tal caso, porque interpretação diversa implicaria em distinguir onde a lei não o faz  .
Também em relação ao primo não há impedimento para audiência, pois é parente em 4º grau, e o óbice alcança somente até o 3º grau , como ainda se observa em relação ao primo em segundo grau , ou o concunhado, que não é parente afim .
Na investigação de paternidade, para prova do fato, não prestam depoimentos conflitantes de parentes e amigos da parte investigante, que não se constituem, sequer em prova circunstancial da alegada filiação  .
Não se olvide que o concubinato também estabelece um vínculo gerador de impedimento da testemunha .
Veja-se que em ação de alimentos, é irrelevante a circunstância de os nomes das testemunhas ouvidas na solenidade processual não constarem na inicial, pois tanto autor como réu tem direito de comparecer à aludida audiência acompanhadas de suas testemunhas .
E, em precedente ainda oriundo da extinta ação de desquite, já se disse que, em demanda sobre o estado das pessoas, tanto a doutrina como a jurisprudência são unânimes em admitir a tomada de depoimento de pessoas que noutras ações estariam impedidas de depor , pois tais pessoas, em regra, são as únicas testemunhas possíveis sobre os fatos da vida íntima do casal .
Até mesmo a declaração da mãe do demandado pode ser colhida, segundo a natureza da causa, sendo o depoimento examinado segundo a fé que mereça em confronto com o conjunto probatório .

4.1.2. TESTEMUNHO DOS FILHOS.

Lembrava Pontes de Miranda que, às vezes, por modo tal estão entrelaçados os fatos, que são pressupostos do desquite, e a situação dos filhos, tendo-se de apurar com o depoimento deles o que a eles se refira, que se não pode prescindir do que informem, confirmem ou assentem .
É atividade que tem recolhido resistência, pelo natural constrangimento dos descendentes e os efeitos decorrentes para a guarda dos filhos envolvidos.
A interdição se funda no respeito com os genitores e o enfraquecimento da autoridade e o prestígio dos pais, quando um filho toma partido de um contra o outro; em ações de separação do casal, notadamente quando se cuida de menores, estes acabam por sofrer toda a sorte de seqüelas emocionais; mas são indispensáveis, nestas ocasiões, para a elucidação do evento posto.
O depoimento dos filhos menores do casal em processo que envolve os pais mostra-se extremamente constrangedor, e deve ser afastado, cabendo à mulher, que se encontra afastada do marido, vivendo com outro homem que lhe presta assistência material, desprezar esta prova e busca-la com outros meios que não envolvam os descendentes , integrando a área de discrição do juiz colher o depoimento de filhos do casal em litígio e de ex-empregados do cônjuge varão, como informantes não compromissados  , admitidos, com excepcionalidade e cautelas  .

Recorde-se que no Direito canônico se admite o depoimento dos filhos em causas matrimoniais , que muitas vezes esclarecem a situação do pai ser dado à embriaguez, que costuma agredir a esposa e não fornecer o necessário para a casa .
O depoimento infantil tem indiscutível precariedade, pela sugestionabilidade e fantasia que apresenta, somente podendo aceitá-lo como prova se confortado por depoimentos de adultos, e guardando seu relato coerência com os fatos , embora não se deixe de considerá-lo quando rodeadas de circunstâncias que não permitam dúvidas sobre a imputação que fazem  .

4.1.3. TESTEMUNHO DE EMPREGADOS.

Os serviçais e criados são pessoas que desfrutam da intimidade dos lares e que se tornam assistentes privilegiados dos dissídios conjugais, pois os incidentes se operam no recesso das casas, podendo eles prestar esclarecimentos relevantes sobre a vida dos cônjuges.
Acrescente-se que, na maioria das vezes, estão eqüidistantes dos interesses das partes, porque seus vínculos laborais se desenvolvem com ambos os parceiros.
Desta forma, para que a testemunha, empregado de uma das partes, possa ser impedida de depor é necessário que fique demonstrado ter efetivo interesse no deslinde da questão, pois a simples circunstância de ser subordinado ou dependente não erige causa bastante para torna-lo suspeito ; por outro lado, o fato de ser empregado de uma das partes não constitui impedimento para a testemunha depor, não o sendo, ainda, o interesse direto no desfecho da ação .
A dispensa da coleta do depoimento dos empregados torna, à vezes, impossível a prova da alegação, eis que para eles se aplica o princípio domestica domesticus probantur  .

4.2. DEPOIMENTO PESSOAL.

O Código estabelece que o juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa (CPC, artigo 342), o que faz para aclarar pontos do processo, podendo sobrevir à confissão do litigante, o que está em seu poder (CPC, artigo 130).
No entanto a parte não está obrigada a depor sobre fatos criminosos ou torpes, que lhe forem imputados ou a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo, salvo ações de filiação, de desquite ou de anulação de casamento (CPC, artigo 347, I, II e par. único).
Nas questões de família, o juiz deve alertar o depoente de que não é obrigado a depor sobre fatos que possam comprometer a moral dos seus, pois a lei não impõe aos filhos a desumana obrigação de testemunhar contra os pais  .
Nem o cônjuge adúltero é obrigado a depor sobre fatos que importem em desonra própria  .
Aponte-se que a ausência do autor à audiência onde devia prestar depoimento pessoal, ppor si só, não importa em improcedência do pedido, devendo o juiz examinar as provas e formar o seu livre convencimento .
A divergência entre a contestação e o depoimento pessoal do demandado, na investigatória, acaba emprestando credibilidade à prova da duração do relacionamento sexual .
4.3. CONFISSÃO.

A confissão é um meio de prova que se constitui em negócio jurídico unilateral e capaz de levar o julgador a formar opinião sobre o tema que está em decisão (CPC, artigo 348), e que vale pela sinceridade como é feita ou pela verdade nela contida, desde que corroborada por outros elementos de prova .
No âmbito do Direito de Família já restou assente pela Corte Suprema que, nesta área, a confissão da parte culpada não pode prevalecer , eis que, tratando-se de direitos indisponíveis não se aplicam os efeitos da revelia  .
É que se encontra em liça direito indisponível, onde a transação só adquire eficácia quando nela ocorra a intervenção estatal.
A confissão real observa algumas reservas nas ações de estado, exigindo a produção de prova, que sejam de tal sorte convincentes a ponto de angariar a chancela do pedido.
Se assim ocorre com esta forma de confissão, maior rigor se atribui á confissão ficta ou presumida, derivada da falta de contestação ou pela recusa ao depoimento pessoal, que é sempre relativa, já que pode ser contrastada por outras provas, o que exige prudência e comedimento judicial em sua avaliação.
Por isso a revelia, em ações de estado, não tem a extensão pregoada no artigo 319 do Código de Processo, já o interesse público predomina sobre o privado, e não importará, necessariamente na procedência da ação proposta, nem dispensará o autor do ônus de provar, como acontece numa ação de anulação do casamento, também ficando obstado o julgamento antecipado (CPC, artigo 330, II).
É o império da exceção contida no artigo 320, II da lei instrumental.
Em ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos, o fato de poder o indigitado pai reconhecer a qualquer tempo a argüida paternidade não retira da demanda a condição de versar sobre direitos indisponíveis, nela não ocorrendo os efeitos da revelia  .
Embora se considere que a regra da revelia se aplique às separações litigiosas, pois a separação não se considera como direito indisponível, tanto que admite mútuo consenso , tem se recomendado uma solução intermediária, considerando-se direitos disponíveis os relacionados com a dissolução legal da sociedade conjugal, mas indisponíveis os que dizem com a guarda, alimentos e educação dos filhos .
Em outra senda, embora a lei de alimentos afirme que o não comparecimento do réu importa em revelia, além de confissão quanto à matéria de fato, tal efeito não induz, necessariamente ao acolhimento integral do pedido inicial, desde eu convicção diversa possa ser extraída dos elementos existentes nos autos; isso por que a admissão dos fatos indicados na peça vestibular, por ausência de defesa, é relativa, podendo o juiz considerar não provados acontecimentos incontestados ante o princípio da livre e fundamentada apreciação das provas .

4.4. SENTENÇA CRIMINAL.

A sentença penal condenatória transitada em julgado constitui-se em título executivo judicial, e quando não contém o valor do dano, deve-se providenciar sua liquidação no juízo cível, dispensado o processo de conhecimento (CPC, artigo 584, II).
A decisão condenatória na ação de adultério (CP, artigo 240) quando transita é capaz de tornar indiscutível na jurisdição civil o conteúdo meritório, afastando a possibilidade de debater-se a violação dos deveres do casamento, agora culpa ancorada nesta transgressão conjugal (CC, artigo 1.573, I).
Em senso contrário, em caso de absolvição criminal lastreada na falta de prova sobre a existência do fato, não ter o autor concorrido para a infração ou inexistir prova suficiente para a condenação (CPC, artigo 386, II, IV e VI), a discussão será possível na esfera privada.
A decisão do Tribunal do Júri, condenando o descendente pelo homicídio cometido contra os pais, devidamente transita, também faz coisa julgada no cível, sendo consectário para a declaração da indignidade de herdeiro .
A indignidade é instituto da sucessão legítima, com campo mais extenso que deserdação, e, entre suas hipóteses está haver sido o herdeiro autor ou co-autor em crime de homicídio voluntário, ou tentativa deste, contra a pessoa de que tratar a sucessão, como verdadeira pena civil (CC, artigo 1.814, I ).
A indignidade ainda ocorre quando o herdeiro ou legatário houver acusado caluniosamente em juízo criminal o autor da herança ou incorrerem em crime contra a honra, ou seu cônjuge ou companheiro (CC, artigo 1.814, II)
Também se permite ao juiz cível sobrestar a questão que lhe é submetida quando esta dependa de verificação da ocorrência do fato delituoso na sede criminal (CPC, artigo 110).

4.5.PROVA DOCUMENTAL.

Alude o artigo 396 do diploma processual que a parte deve instruir a petição inicial ou a resposta com os documentos destinados a provar-lhe as alegações, embora a jurisprudência venha aceitando que peças não essenciais à propositura da ação possam ser juntadas a qualquer tempo, inclusive até depois de proferida a sentença, desde que se respeite o contraditório mediante a oitiva da parte contrária e ausente o ânimo de surpreender o adversário  , havendo mesmo quem entenda possível o encarte de qualquer documento, desde que respeitada a lealdade processual e a estabilização da lide .
Como se vê, a norma é interpretada com relatividade, devendo o juiz manter a juntada desatempada, caso não haja impugnação pelo adversário, descabendo a atividade de ofício e sem contraditório; ouvida a parte contrária, se alegar prejuízo, toca ao juiz fazer uma ponderação entre os direitos envolvidos, procurando garantir um e restringir o outro .
No Direito de Família a encarnação serôdia deve ser vista com simpatia, pelos direitos e interesses peculiares que estão em testilha, desde que, como se disse já, não afete a lealdade processual e o contraditório.

4.6. PROVA EMPRESTADA.

Embora a prova deva ser produzida dentro do processo onde as afirmações sobre os fatos foram alegados, nada obsta o uso de prova importada de outro processo, o que constitui a chamada prova emprestada, que tanto pode derivar de outra demanda entre as partes litigantes ou informações de outro pleito onde intervem uma das partes, ou até, sem que qualquer delas atue.
A validade da prova emprestada decorre, prioritariamente, de que se origine de ação travada entre as mesmas partes, pelo mesmo fato e que ali tenha perseguido o contraditório.
Assim deve haver uma identidade de relação, as partes devem estar de acordo sobre sua produção em outro feito e respeitado o devido processo legal.
Em outras hipóteses, como quando deriva de peças do inquérito policial ou investigação administrativa, prova testemunhal ou outra situação, seu valor é precário, apenas servindo como indício ou elemento inicial, e sua valoração, como sempre, depende do poder de convicção que carreguem, podendo sofrer restrição.
A prova emprestada não vincula o juiz de molde a impedi-lo de determinar que se repita nos autos da ação, principalmente quando há impugnação da parte contrária .
Assim, a utilização de peças do processo criminal por estupro ou sedução encartados em ação de investigação de paternidade, o uso de ação de alimentos onde foi feita a verificação incidental da paternidade para apoiar demanda de filiação, etc.





4.7. PROVA PERICIAL.

Neste campo uma das questões mais recorrentes é a conseqüência processual oriunda do comportamento da parte que se recusa a cumprir a prova pericial.
O novo diploma material, atendendo a lição dos tribunais, continuamente instigados a se manifestar, acrescentou preceito afirmando que não pode se aproveitar da recusa a parte que se nega a submeter-se a exame médico necessário (CC, artigo 231).
Entre as situações mais constantes está a realização da perícia pelo DNA em ações investigatórias para determinar a filiação, cujo reconhecimento é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, segundo ordem da legislação menorista (ECA, artigo 27).
A possibilidade de condução coercitiva do investigado, debaixo de vara como nomeia a Suprema Corte, já foi defenestrada pelo Excelso Pretório, quando entendeu que dita diligência ofendia a preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo, do império da lei e da inexecução de obrigação de fazer .
É que ninguém está obrigado a produzir provas contra si, pois o patrimônio físico do indivíduo é assegurado constitucionalmente, não se podendo recolher célula, fragmento, líquido ou órgão, sem autorização da pessoa a invadir.
Todavia, como asseverou o STF, a recusa se resolveria no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas às provas dos fatos.
O impacto inicial do novo exame de DNA fez com que os juízes, inicialmente considerassem a recusa em fornecer o material, como uma confissão da paternidade, sob o argumento de que a parte que se opõe furta-se a um resultado desfavorável, o que equivale a confessar de modo implícito.
Depois, avançou-se para ter a negativa como uma forma de presunção da paternidade invocada, pois se o indigitado não era o pai do autor não existiria motivo para temer qualquer tipo de exame, demonstrando com tal atitude a intenção de esconder a verdade.
É que as regras de experiência apontam que o exame técnico, principalmente o DNA, só favorece quem verdadeiramente não é o pai natural.
Como óbvio, ter-se como presunção como interpretação legítima da recusa equivaleria a tolher as garantias constitucionais, e acarretaria uma inversão do ônus da prova.
Mais atualmente acha-se a rejeição ao exame como sendo um indício da paternidade, sabendo-se que o fato gerador dele deve ser incontestável quanto à sua veracidade, para originar tais circunstâncias, o que também corrói tal entendimento .
A Corte rio-grandense, de modo mais consentâneo, tem a recusa ao exame como mais um elemento de prova, que deve ser confortado por outros, em que o comportamento é valorado, até mesmo para impor a multa pela litigância de má-fé, quando evidente a procrastinação ou preliminar de recurso em que se sustente exame a que se negou.
A inovadora redação do dispositivo material vigente, seguramente, dará novas cores à controvérsia.














4.8 PROVAS ILÍCITAS.

Em recente acórdão, acolhido por unanimidade, ao examinar decisão que indeferiu a juntada de gravação sônica a uma ação pauliana, em que a mulher registrara a conversa tida com o marido sobre o destino do patrimônio que ele havia transferido a parentes para alijá-la da partilha do acervo, entendi que:

“A preservação da garantia constitucional da privacidade, por não ser absoluta, não pode servir para cometimento de injustiça, nem obstáculo invencível que venha a favorecer que violou o direito material que alicerça a pretensão contraposta, cabendo ao juiz dar valor ao conteúdo da prova, independente do meio com que foi obtida, ainda que com superação de certos direitos consignados na Lei Magna ou na legislação ordinária.
No âmbito do Direito de Família a prova tem singularidades que impõem um tratamento específico diversamente dos outros campos jurídicos, e que decorrem da natureza da relação conjugal, onde as violações do dever são clandestinas, embaraçando a sua visibilidade e constatação.
O direito à intimidade, como qualquer outro, não pode sobrepor-se de maneira absoluta a outros dignos da tutela judiciária, podendo submeter-se ao direito à prova, também constitucionalmente assegurado, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, aqui se ponderando favoravelmente os interesses ligados à reta administração da justiça e sacrificando-se a privacidade.
O direito à prova é o direito da parte em utilizar todas as provas de que dispõe para demonstrar a veracidade dos fatos em que se funda a pretensão e que seria inútil se não se vinculasse ao direito de aquisição da prova, desde que admissíveis e relevantes.
Assim, o objeto do direito à prova é o direito da parte à prova relevante, que cede aos direitos fundamentais, desde que ela não detenha outra forma de comprovação.
Desta forma prevalecem os interesses da verdade e da segurança jurídica, restando à coletividade assegurar-se contra a obtenção ilícita com o manejo da responsabilidade civil ou penal para o autor que mal-feriu a moral.
É razoável a produção de prova oriunda de gravação de conversa entre marido e mulher, em que se utilizaram meios comuns, mesmo que um deles desconheça a existência da impressão sônica, uma vez que não há quebra da privacidade ”.

E assim, prossegui com o voto:
“Em vista da controvérsia sobre o patrimônio a ser partilhado e a origem dos bens, a agravante utilizou-se de procedimento sônico para gravar a conversa com o ex-marido, onde este reconhece direitos então sonegados, cuja degravação foi expungida do processo pela ordem judicial ora debatida.
Penso que a controvérsia encontra solução em longevo acórdão desta Corte, mas já sob a égide da Constituição vigente e que ao cuidar de gravação clandestina e sua juntada aos autos de processo judicial, achou que a só gravação de conversa familiar por pessoa da própria família, não envolvendo, prima facie, assuntos íntimos, mas negócios restritos ao âmbito familiar, não caracteriza violação da intimidade ou privacidade dos participantes do diálogo. A norma constitucional consagra direito que diz com a dignidade pessoal, valor personalíssimo, insuscetível de ser objeto de leilão, por interesse de outrem ou do próprio Estado, vedando o modo de ser do cidadão, do indivíduo, a publicização de seu jeito de ser.
A garantia constitucional se amplia para o núcleo familiar, inviolável suas reuniões, por terceiros, estranhos à entidade familiar. A norma visa a preservação da aexistimatio própria ou familiar (AGIReg. 590019089, Quinta Câmara Cível, Rel. Des. Lio Cezar Schimidt, j.17.04.90).
Anote-se que esta orientação já foi convalidada quando respalda a juntada de gravação feita por um dos interlocutores, sem conversa alheia, procedimento que não foi achado ilegal (AGI 70001315340, Segunda Câmara Especial Cível, Rel. Desa. Marilene Bonzanini Bernardi, j. 18.10.2000), ou de gravação de diálogo de sócios, mesmo que um deles ignore que a conversa esteja sendo impressa e que a utilização tenha sido feita por um dos interlocutores (A. Resc. 596190116, 3º Grupo de Câmaras Cíveis, Rel. Des. Décio Antonio Erpen, j. 03.09.99).
Também há de esclarecer a confusão entre a interceptação telefônica, que cuida da intercessão de terceiro no diálogo entre dois interlocutores, sem que nenhum saiba do procedimento, hoje apenas regulado na esfera penal, e a gravação clandestina, que é a captação pessoal ou ambiental, feita por terceiro ou pela própria pessoa, com ou sem conhecimento de um dos interlocutores.
Afirma Alcides de Mendonça Lima que, em muitos casos, o réu que violou preceitos de direito material, que são a base da luta judiciária, para dar vitória à parte que merece, mas cuja infringência não pode ser “moralmente” provada, ganhou a causa contra todos os postulados éticos que devem nortear a proteção jurisdicional, colocando o aspecto formal em segundo plano, desde que o objetivo seja fazer justiça.
Ora, se o ato foi ilegal, com invasão da privacidade, então que o infrator seja responsável civil ou até criminal por seu ato ilícito ou delituoso, conforme o ordenamento aplicável. Os direitos assegurados pela Constituição não podem ter o dom, e não foi objetivo do legislador, de colocar obstáculo invencível ao que possa ser favorecido por meio de prova que, aparentemente, atente contra tais princípios básicos e, por via de conseqüência, favorecer o que somente levanta a “imoralidade” na obtenção do meio, mas nada opõe à autenticidade e veracidade dos fatos que o mesmo atesta. Um direito não pode servir para ser uma injustiça cometida.
E prossegue o jurista, asseverando que o juiz deverá dar valor ao conteúdo do meio de prova, indiferentemente do meio como foi obtida, ainda que com violação de certos direitos conferidos em lei ordinária ou mesmo da Constituição, se isto puder resultar sentença injusta, vencido o infrator, que ficou sem prova, e vencedor o ímprobo pela transgressão da norma e preceitos de direito material (Ajuris, 38/107).
O tema enseja muita discussão e nunca se acha exaurida, devendo merecer consideração diferente no âmbito do Direito de Família, pela própria peculiaridade e especificidade deste ramo jurídico, como bem flagrado por Barbosa Moreira, em acórdão paradigmático, ainda em 1983, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Tratava-se de gravação feita pelo marido, de conversa entre sua mulher e terceiro, onde se sublinhava que não é dado ao juiz autorizar ou determinar a produção de prova através da interceptação das conversas telefônicas de qualquer dos cônjuges com terceiros, mas obtida aquela prova pela parte interessada, qualquer que tenha sido o meio, e apresentada nos autos, cumpre ao juiz considerá-la na formação de seu convencimento de maneira expressa, sabido que, pelas regras de experiência, tais gravações, ainda que eventualmente desentranhadas dos autos, inevitavelmente deixam resíduos na convicção do julgador.
O direito de que se trata, alude o mestre, no entanto, é, como qualquer outro, limitado, e não pode sobrepor-se de maneira absoluta a todos os restantes dignos de tutela jurídica, por mais relevantes que se mostrem.
Aqui tem igualmente lugar a valoração comparativa dos interesses em conflito e a aplicação do princípio da proporcionalidade (verhälnismässigkeitsprinzip).
Não pode haver dúvida acerca da posição fundamental do ordenamento em face do conflito de interesses que se desenha. Sobre o interesse na preservação da intimidade prevalecem, em linha de princípio, os interesses ligados à reta administração da justiça, onde aquele não pode ter a virtude de obstar ao pleno atendimento destes, todavia, deve atuar, aqui, como alhures, o princípio de que os meios proporcionam de modo necessário os fins colimados.
O direito à preservação da intimidade se sujeita ao sacrifício na medida em que sua proteção seja incompatível com a realização dos objetivos que se tem primariamente em vista, e nessa medida o ordenamento o tolera ou mesmo o impõe; além dela, não.
Cumpre observar um critério de proporcionalidade, com auxílio do qual se possa estabelecer adequado “sistema de limites“ à atuação das normas suscetíveis de por em xeque a integridade da esfera íntima de alguém, participante ou não do processo, tendo em mente que o direito de uma das partes à preservação de sua intimidade, se “absolutizado”, pode mutilar ou mesmo nulificar, sob certas circunstâncias, o direito de outra à prova, que é elemento integrante do direito de ação.
A proteção constitucional do direito de ação abrange, pois, o direito de provar em juízo os fatos em que se baseia o pedido e, conquanto sujeito a restrições, esse direito não deve ser sistematicamente sacrificado todas as vezes que o respectivo exercício porventura entre em conflito com o interesse do adversário na preservação de sua intimidade.
Resta verificado, continua o grande processualista pátrio, se a prova obtida pela captação e gravação de conversas telefônicas decorre de comportamento “moralmente legítimo”, impondo-se distinguir que a indagação não se pode responder de modo razoável, nem com uma afirmativa categórica, nem com uma negativa peremptória.
A moral, como ciência, não é nem pode ser casuística, estabelece princípios gerais, mas não ministra ao homem tabela alguma pela qual seja sempre aferível, in concreto, o valor ou desvalor ético desse ou daquele ato, na quase infinita variabilidade das circunstâncias que o especificam. A adoção de medidas de vigilância de um cônjuge em relação ao outro, pode, sem dúvida, revelar-se moralmente reprovável, quando não se constitua mero sintoma de estado mental patológico e até configurar injúria grave ao cônjuge “espionado”, se resolve em inútil e arbitrária imposição ao vexame, que nenhum dado objetivo justifica, mas a valoração mudará se houver motivos sérios para que se suspeite da prática de atos incompatíveis com o resguardo da fé conjugal. Em tais casos, não repugna forçosamente à ética a utilização pelo cônjuge que receia, com algum fundamento, estar sendo ofendido ou na iminência de o ser, dos expedientes a seu alcance para inteirar-se da verdade e registrá-la.
Se os fatos se passaram ou não como narrado, isso unicamente os resultados da instrução vão permitir dizer.
O máximo que, por enquanto, cabe adiantar, arremata Barbosa Moreira, é que a narrativa não se afigura inverossímil ou de tão remota possibilidade de vir a configurar-se que mereça ser desprezada a priori, tanto bastando para fazer admissível a prova impugnada (TJRJ, 5ª Câmara Cível, j. 28.11.83, Revista de Direito do TJRJ 1/89).
Como se vê, ao juiz cabe ponderar entre os interesses em jogo, validando aqui um pelo outro, segundo as circunstâncias do caso concreto, joeirando-se a proporcionalidade entre o direito constitucional da intimidade e o também direito à prova consignado na Carta Magna, ressaltando-se a especificidade da sede familiarista, onde prova da violação dos direitos do casamento é sempre difícil de se obter, seja por sua clandestinidade, seja pela sutileza da conduta utilizada por algum dos consortes.
O direito à prova sempre instigou a doutrina, e Taruffo o considera como o direito da parte utilizar todas as provas de que dispõe, de forma a demonstrar a verdade dos fatos em que sua pretensão se funda, direito que seria inútil e ilusório, se a ele não se ligasse o direito de aquisição das mesmas, uma vez consideradas admissíveis e relevantes.
Ainda como implicação, há de se ter em conta o dever do juiz de valorar todas as provas adquiridas por iniciativa das partes, ao qual não constitui obstáculo o princípio da livre apreciação da prova, daí surgindo a obrigatoriedade da motivação da decisão.
E para o doutrinador peninsular, a relevância da prova define e circunscreve exatamente o objeto do direito à prova, que se configura, assim, como um direito à prova relevante ( Michele Taruffo, Il diritto ala  prova nel  processo civile, Riv. di dir. proc 1984, p.512-513).
Embora se tenha este entendimento sobre o direito a prova, é fácil verificar que muitos ordenamentos jurídicos que o consagram estabelecem outros limites para além dos referidos, colocando-se o problema de saber em que medida tais restrições violam o direito em causa ou simplesmente o limitam.
Observam Cappelletti e Vigoriti, que mesmo uma moderna concepção do direito probatório, assente na idéia de que todos os meios de prova devem ser submetidos á livre valoração do juiz, admite cedências do direito à prova relativamente a outros direitos, especialmente direitos fundamentais, limites consignados ou na Lei fundamental ou na regra ordinária (Isabel Alexandre, Provas ilícitas em processo civil, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, p.74).
Embora se possa entender que as regras que vedam a utilização de certos meios de prova em casos específicos, não impedem as partes de utilizar outros meios de prova para demonstrarem o fundamento de sua pretensão, não se pode esquecer o perigo para que alerta Taruffo, já que, embora tais limitações legais surjam , em abstrato, como relativas, em concreto podem tornar-se absolutas, se a parte não dispuser de outra prova.
Assim, ao invés de se presumir que todos os limites probatórios são justificados, salvo se comprimirem o direito à prova, deve-se partir do princípio oposto, de acordo com o qual nenhum limite é justificado, salvo se existirem razões especiais e relevantes a impô-lo ( Taruffo, ob. cit. p. 80).
E as limitações apenas se justificam quando, cumulativamente, tiverem os requisitos da necessidade de salvaguardar um interesse público preponderante, o respeito ao princípio da proporcionalidade e a manutenção do núcleo intangível do direito à prova (Gerhardt Walter, Il diritto alla prova in Svizzera. Rev.trim.di dir. proc, 1991, p.1198-1199).
Em conclusão, é sabido que opiniões respeitáveis, bem como os tribunais franceses e ingleses, têm entendido que o fundamento se encontra essencialmente na compatibilidade entre verdade e segurança jurídica , já que no processo deve prevalecer o interesse na descoberta da verdade.
O interesse da coletividade em assegurar-se contra a obtenção ilícita de prova se preserva fazendo sujeitar-se o autor que agiu antijuridicamente em obtê-la às responsabilidades civil ou penal, posição que sustentam Schonke, Toth, Cappelletti, Micheli e Cordero (cf. Yussef Said Cahali, Divórcio e Separação, 6ª edição, Editora RT, São Paulo, 1991, p. 736).
Lembra Gustavo Bohrer Paim que, para admitir-se a prova obtida por meios ilícitos, cumpre verificar se a transgressão explica-se por autêntica necessidade, suficiente para tornar escusável o comportamento da parte e se esta se manterá nos limites determinados pela necessidade. Perquire-se, ainda, se existia a possibilidade de provar a alegação por meios regulares e se a infração gerou dano inferior ao benefício trazido à instrução do processo, escolhendo-se o menos mal.
Os tribunais alemães, relembra, têm admitido excepcionalmente as provas ilícitas, desde que sejam a única forma possível e razoável para preservação de outros valores fundamentais, considerados de maior relevância no caso concreto segundo a avaliação do julgador. Utiliza-se a prova ilícita para expungir possíveis distorções ou para evitar resultados desproporcionais, estabelecendo o equilíbrio de todo o sistema jurídico (“A garantia da licitude das provas e o princípio da proporcionalidade no Direito Brasileiro”, em As garantias do cidadão no processo civil, Livraria do advogado, Porto Alegre, 2003, p. 179.
A jurisprudência não é avessa em achar, retornando ao caso concreto, que a gravação feita através de fita magnética da própria conversa com terceiro e mediante o emprego de meios comuns, deve ser admitida como prova, uma vez que não há quebra da privacidade de quem quer que seja, pois se trata da gravação da própria conversação, pouco ou nada importando que a pessoa que se fala desconheça a existência do sistema eletrônico (TJSP, RT 573/110), já que não se cuidando de interceptação telefônica ou de outro meio ilegal ou moralmente ilícito, mas simplesmente de reprodução de conversa mantida pelas partes e gravada por uma delas, há de ser a mesma admitida como prova em juízo, independente à admissibilidade da referida prova do conhecimento de sua formação pela outra parte (RT 620/151).
Aqui, como ressalta a agravante, o recorrido é pessoa experiente no ramo de negócios e buscou descapitalizar a empresa de urbanização que possuía, através de alterações contratuais simuladas, passando cotas aos irmãos; e a prova considerada relevante, embora outras que informa produzir, mesmo por que a alegação do agravado para se opor ao texto sônico reside, não no conteúdo em si, mas na ciência por parentes, como os irmãos, frisando-se que o processo não tramita em segredo de justiça.
Por todo o exposto, provejo o agravo para que a parte possa juntar a degravação da conversa que teve com seu marido”.

O tema do aproveitamento da prova ilícita em Direito de Família tem sido tormentosa e até mesmo pendular.
Penso que a controvérsia encontra solução em longevo acórdão do Tribunal do Estado, mas já sob a égide da Constituição vigente e que ao cuidar de gravação clandestina e sua juntada aos autos de processo judicial, achou que a só gravação de conversa familiar por pessoa da própria família, não envolvendo, prima facie, assuntos íntimos, mas negócios restritos ao âmbito familiar, não caracteriza violação da intimidade ou privacidade dos participantes do diálogo.
A norma constitucional consagra direito que diz com a dignidade pessoal, valor personalíssimo, insuscetível de ser objeto de leilão, por interesse de outrem ou do próprio Estado, vedando o modo-de-ser do cidadão, do indivíduo, a publicização de seu jeito de ser.
A garantia constitucional se amplia para o núcleo familiar, inviolável suas reuniões, por terceiros, estranhos à entidade familiar.
A norma visa a preservação da aexistimatio própria ou familiar  .
Anote-se que esta orientação já teve respaldo, quando admite a juntada de gravação feita por um dos interlocutores, sem conversa alheia, procedimento que não foi achado ilegal , ou de gravação de diálogo de sócios, mesmo que um deles ignore que a conversa esteja sendo impressa e que a utilização tenha sido feita por um dos interlocutores .
Também há de esclarecer a confusão entre a interceptação telefônica, que cuida da intercessão de terceiro no diálogo entre dois interlocutores, sem que nenhum saiba do procedimento, hoje apenas regulado na esfera penal, e a gravação clandestina, que é a captação pessoal ou ambiental, feita por terceiro ou pela própria pessoa, com ou sem conhecimento de um dos interlocutores.
Afirma Alcides de Mendonça Lima que, em muitos casos, o réu que violou preceitos de direito material, que são a base da luta judiciária, para dar vitória á parte que merece, mas cuja infrigência não pode ser “moralmente” provada, ganhou a causa contra todos os postulados éticos que devem nortear a proteção jurisdicional , colocando o aspecto formal em segundo plano desde que o objetivo é fazer justiça.
Ora, se o ato foi ilegal, com invasão da privacidade, então que o infrator seja responsável civil ou até criminal, por seu ato ilícito ou delituoso, conforme o ordenamento aplicável. Os direitos assegurados pela Constituição não podem ter o dom, e não foi objeto do legislador, de colocar obstáculo invencível ao que possa ser favorecido por meio de prova que, aparentemente, atente contra tais princípios básicos, e, por via de conseqüência, favorecer o que somente levanta a “imoralidade” na obtenção do meio, mas nada opõe à autenticidade e veracidade dos fatos que o mesmo atesta.Um direito não pode servir para ser uma injustiça cometida.
E prossegue o jurista, asseverando que o juiz deverá dar valor ao conteúdo do meio de prova, indiferentemente do meio como foi obtida, ainda que com violação de certos direitos conferidos em lei ordinária ou mesmo da Constituição, se isto puder resultar sentença injusta, vencido o infrator, que ficou sem prova, e vencedor o ímprobo pela transgressão da norma e preceitos de direito material 
O tema enseja muita discussão e nunca se acha exaurida, devendo merecer consideração diferente no âmbito do Direito de Família, pela própria peculiaridade e especificidade deste ramo jurídico, como bem flagrado por Barbosa Moreira, em acórdão paradigmático, ainda em 1983, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Tratava-se de gravação feita pelo marido, de conversa entre sua mulher e terceiro, onde se sublinhava que não é dado ao juiz autorizar ou determinar a produção de prova através da interceptação das conversas telefônicas de qualquer dos cônjuges com terceiros, mas, obtida àquela prova pela parte interessada, qualquer que tenha sido o meio, e apresentada nos autos, cumpre ao juiz considera-la na formação de seu convencimento de maneira expressa, sabido que, pelas regras de experiência, tais gravações, ainda que eventualmente desentranhadas dos autos, inevitavelmente deixam resíduos na convicção do julgador.
O direito de que se trata, alude o mestre, no entanto, é, como qualquer outro, limitado, e não pode sobrepor-se de maneira absoluta a todos os restantes dignos de tutela jurídica, por mais relevantes que se mostrem.
Aqui tem igualmente lugar a valoração comparativa dos interesses em conflito e a aplicação do princípio da proporcionalidade (verhälnismässigkeitsprinzip).
Não pode haver dúvida acerca da posição fundamental do ordenamento em face do conflito de interesses que se desenha. Sobre o interesse na preservação da intimidade prevalecem, em linha de princípio, os interesses ligados á reta administração da justiça, onde aquele não pode ter a virtude de obstar ao pleno atendimento destes, todavia, deve atuar, aqui, como alhures, o princípio de que os meios proporcionam de modo necessário os fins colimados.
O direito à preservação da intimidade sujeita-se ao sacrifício na medida em que sua proteção seja incompatível com a realização dos objetivos que se tem primariamente em vista e nessa medida, o ordenamento o tolera ou mesmo o impõe; além dela, não.
Cumpre observar um critério de proporcionalidade, com auxílio do qual se possa estabelecer adequado “sistema de limites” à atuação das normas suscetíveis de por em xeque a integridade da esfera íntima de alguém, participante ou não do processo, tendo em mente que o direito de uma das partes à preservação de sua intimidade, se “absolutizado”, pode mutilar ou mesmo nulificar, sob certas circunstâncias, o direito de outra à prova, que é elemento integrante do direito de ação.
A proteção constitucional do direito de ação abrange, pois, o direito de provar em juízo os fatos em que se baseia o pedido e, conquanto sujeito a restrições, esse direito não deve ser sistematicamente sacrificado todas as vezes que o respectivo exercício porventura entre o conflito com o interesse do adversário na preservação de sua intimidade.
Resta verificado, continua o grande processualista pátrio, se a prova obtida pela captação e gravação de conversas telefônicas decorre de comportamento “moralmente legítimo”, impondo-se distinguir que a indagação não se pode responder de modo razoável, nem com uma afirmativa categórica, nem com uma negativa peremptória.
A moral, como ciência, não é nem pode ser casuística, estabelece princípios gerais, mas não ministra ao homem tabela alguma pela qual seja sempre aferível, in concreto, o valor ou desvalor ético desse ou daquele ato, na quase infinita variabilidade das circunstâncias que o especificam. A adoção de medidas de vigilância de um cônjuge em relação ao outro, pode, sem dúvida, revelar-se moralmente reprovável, quando não se constitua mero sintoma de estado mental patológico e até configurar injúria grave ao cônjuge “espionado”, se resolve em inútil e arbitrária imposição ao vexame, que nenhum dado objetivo justifica, mas a valoração mudará se houver motivos sérios para que se suspeite d prática de atos incompatíveis com o resguardo da fé conjugal. Em tais casos, não repugna forçosamente à ética a utilização pelo cônjuge que receia, com algum fundamento, estar sendo ofendido ou na iminência de o ser, dos expedientes a seu alcance para inteirar-se da verdade e registra-la.
Se os fatos se passaram ou não como narrado, isso unicamente o resultados da instrução vão permitir dizer.
O máximo que, por enquanto, cabe adiantar, arremata Barbosa Moreira, é que a narrativa não se afigura inverossímil ou de tão remota possibilidade de vir a configurar-se que mereça ser desprezada a priori, tanto bastando para fazer admissível a prova impugnada Como se vê, ao juiz cabe ponderar entre os interesses em jogo, validando aqui um pelo outro, segundo as circunstâncias do caso concreto, joeirando-se a proporcionalidade entre o direito constitucional da intimidade e o também direito á prova consignado na Carta Magna, ressaltando-se a especificidade da sede familiarista, onde prova da violação dos direitos do casamento é sempre difícil de se obter, seja por sua clandestinidade, seja pela sutileza da conduta utilizada por algum dos consortes.
O direito à prova sempre instigou a doutrina, e Taruffo o considera como o direito da parte utilizar todas as provas de que dispõe, de forma a demonstrar a verdade dos fatos em que sua pretensão se funda, direito que seria inútil e ilusório, se a ele não se ligasse o direito de aquisição das mesmas, uma vez consideradas admissíveis e relevantes.
Ainda como implicação, há de se ter em conta o dever do juiz de valorar todas as provas adquiridas por iniciativa das partes, ao qual não constitui obstáculo o princípio da livre apreciação da prova, daí surgindo a obrigatoriedade da motivação da decisão.
E para o doutrinador peninsular, a relevância da prova define e circunscreve exatamente o objeto do direito à prova, que se configura, assim, como um direito à prova relevante( Michele Taruffo, Il diritto ala  prova nel  processo civile, Riv.di dir.proc 1984, p.512-513).
Embora se tenha este entendimento sobre o direito a prova , é fácil verificar que muitos ordenamentos jurídicos que o consagram estabelecem outros limites para além dos referidos, colocando-se o problema de saber em que medida tais restrições violam o direito em causa ou, simplesmente o limitam.
Observam Cappelletti e Vigoriti, que mesmo uma moderna concepção do direito probatório, assente na idéia de que todos os meios de prova devem ser submetidos á livre valoração do juiz, admite cedências do direito à prova relativamente a outros direitos, especialmente direitos fundamentais, limites consignados ou na Lei fundamental ou na regra ordinária  .
Embora se possa entender que as regras que vedam a utilização de certos meios de prova em casos específicos, não impedem as partes de utilizar outros meios de prova, para demonstrarem o fundamento de sua pretensão, não se pode esquecer o perigo para que alerta Taruffo, já que, embora tais limitações legais surjam, em abstrato, como relativas, em concreto podem tornar-se absolutas, se a parte não dispuser de outra prova.
Assim, ao invés de se presumir que todos os limites probatórios são justificados, salvo de comprimirem o direito à prova, deve-se partir do princípio oposto, de acordo com o qual nenhum limite é justificado, salvo se existirem razões especiais e relevantes a impô-lo .
E as limitações apenas se justificam quando, cumulativamente, tiverem os requisitos da necessidade de salvaguardar um interesse público preponderante, o respeito ao princípio da proporcionalidade e a manutenção do núcleo intangível do direito à prova .
Em conclusão, é sabido que opiniões respeitáveis, bem como os tribunais franceses e ingleses têm entendido que o fundamento se encontra essencialmente na compatibilidade entre verdade e segurança jurídica, já que no processo deve prevalecer o interesse na descoberta da verdade.
O interesse da coletividade em assegurar-se contra a obtenção ilícita de prova se preserva fazendo sujeitar-se o autor que agiu antijuridicamente em obtê-la às responsabilidades civil ou penal, posição que sustentam Schonke, Toth, Cappelletti, Micheli e Cordero .
A jurisprudência não é avessa em achar que a gravação feita através de fita magnética da própria conversa com terceiro e mediante o emprego de meios comuns, deve ser admitida como prova, uma vez que não há quebra da privacidade de quem quer que seja, pois se trata da gravação da própria conversação, pouco ou nada importando que a pessoa que se fala desconheça a existência do sistema eletrônico , já que não se cuidando de interceptação telefônica ou de outro meio ilegal ou moralmente ilícito, mas simplesmente de reprodução de conversa mantida pelas partes e gravada por uma delas, há de ser a mesma admitida como prova em juízo, independente a admissibilidade da referida prova do conhecimento de sua formação pela outra parte  .
É verdade que se opõe a proibição constitucional que não acolhe abrandamento, mas é sabido que as normas da Constituição aceitam relativização, notadamente quando se usa o princípio da proporcionalidade, tal como emanado da Corte Magna em sede criminal.
E no juízo familiarista, a aplicação do dever da proporcionalidade deve ocorrer com amplo tempero, de modo a não permitir que o processo seja tumultuado pela introdução de provas que em nada, ou pouco, possam ajudar na justa composição da lide, pois inexistem direitos absolutos, necessitando, para conviverem, uma relativização para que os demais encontrem proteção
As provas ilícitas tornam-se assunto delicado no Direito de Família, em que repousam relações familiares, a individualidade de cada membro, sua dignidade e intimidade, e que não abonam este tipo de demonstração.
Assim, para alguns tribunais, o resguardo constitucional da intimidade não admite a modalidade de uso de fita magnética, máxime quando obtida de forma clandestina , nem gravações telefônicas do cônjuge, acusado de adultério, em separação judicial  .
A doutrina encontra três correntes sobre a produção da prova ilícita, uma obstativa, que considera inadmissível a prova obtida por meio ilícito, em qualquer hipótese e sob qualquer argumento, não cedendo mesmo quando o direito em debate mostra elevada resistência, daqui derivando a aplicação da teoria do fruto da árvore envenenada, que proclama a contaminação do resultado obtido pelo vício de origem; outra, permissiva, que aceita a prova assim obtida, por entender que o ilícito se refere ao meio de obtenção e não a seu conteúdo; finalmente, a corrente intermediária, que aceita a prova ilícita, dependendo dos valores jurídicos e morais em jogo, aplicando-se o princípio da proporcionalidade.
Esta última parece ser a que melhor se coaduna com o aspecto publicístico do processo, mesmo que a prova ilícita deva ser sempre tratada com reserva.
Mas se o direito posto é relevante, como já se viu alhures, envolvendo questões de alta carga valorativa, é possível aceitar-se a eficácia desta prova, como é o caso da gravação telefônica clandestina, que não serve para separação, mas se admite quando se cuida da guarda de filhos .
Neste sentido, o Tribunal do RS afirmou ser possível, em alguns casos, a utilização deste meio de prova, principalmente quando foi produzida mais para proteger o filho que assistia as conversas maternas, mas não para responsabilizar a mulher pelo fim do casamento, pois violava a privacidade da demandada e em nada contribuía para o desenlace do feito  .
Como se vê, o entendimento doutrinário, e também pretorial se mantém oscilante, sendo razoável que se use a prova ilícita, quando não houver outra maneira de demonstrar o fato e o interesse for relevante, com genuflexão ao princípio da proporcionalidade.












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